É possível quantificar os impactos dos tumores malignos de boca e de orofaringe na fala dos pacientes? Em busca de números que pudessem indicar essas alterações e facilitar o diagnóstico, a fonoaudióloga do Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP), Ana Maria Araujo, escolheu o assunto para ser tema de sua dissertação de Mestrado, realizado dentro do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Oncologia, resultado de uma parceria entre o HCP e o A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. Intitulada “Movimentos mandibulares durante a fala após tratamento do câncer de cavidade oral e orofaringe”, a dissertação foi defendida no último mês de outubro. A fonoaudióloga é a primeira mestra formada pelo programa.
A ideia de abordar os tumores malignos de boca e de orofaringe surgiu a partir da experiência da própria fonoaudióloga, que atua diretamente com pacientes diagnosticados com ambas as doenças tanto nas enfermarias quanto no ambulatório do Serviço de Fonoaudiologia do HCP. Em geral, essa população costuma apresentar problemas na fala, especialmente após o procedimento cirúrgico para retirada do tumor. A inquietação surgiu pelo fato de não existirem dados quantitativos para o diagnóstico dessas disfunções – e este acaba sendo realizado pela própria experiência do fonoaudiólogo. Foi daí que surgiu a proposta de realizar um exame específico, que pudesse fornecer dados quantitativos acerca dos movimentos mandibulares dos pacientes: a eletrognatografia.
A eletrognatografia é um exame computadorizado que consegue, por meio do uso de eletrodos, identificar e registrar os movimentos da mandíbula, determinando dados como amplitude, velocidade e abertura da boca. Os dados são captados e transmitidos para o computador em tempo real. Atualmente, só existe um aparelho disponível em Pernambuco, localizado no laboratório do Grupo de Pesquisa Patofisiologia do Sistema Estomatognático da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entidade parceira na pesquisa. “Esse aparelho vem sendo utilizado em estudos com pacientes acometidos com Mal de Parkinson e rinite alérgica, por exemplo. Para o público com câncer, essa é a primeira vez”, explica a especialista.
A primeira parte do trabalho consistiu em selecionar as pessoas que fariam parte da pesquisa. Nesse momento, foram examinados mais de quatro mil prontuários, a fim de identificar pacientes do HCP com câncer de boca ou de orofaringe cujos tratamentos estivessem finalizados há, no mínimo, um mês e, no máximo, oito meses. Também era preciso que não houvesse mais sinal de atividade da doença. Ao todo, a pesquisa foi realizada com 32 pacientes. A dissertação foi orientada pela professora Dra. Elisabete Carrara de Angelis e coorientada pelos professores Dr. Leandro Pernambuco e Dr. Josimário da Silva. A professora Dra. Leuridan Torres é a coordenadora do programa.
Em um segundo momento, os pacientes foram questionados acerca do interesse em participar do estudo e assinaram o termo de consentimento. Além disso, também responderam a um protocolo para avaliação da qualidade de vida relacionado à fala. Por fim, eles foram submetidos ao exame de eletrognatografia. “Os pacientes eram solicitados a ler uma lista de figuras que continham todos os fonemas da língua portuguesa. Nesse momento, era feita a mensuração”, detalha Ana Maria.
Os resultados do estudo revelaram que não existe relação entre os valores quantitativos obtidos com o auxílio do equipamento e as queixas apresentadas pelos pacientes. “Isso é importante para mostrarmos que nem um exame nem outro são completos: precisamos dos dois, porque eles são complementares. Além disso, muita coisa precisa ser estudada. Esse é o primeiro passo para fazermos outras pesquisas”, ressalta a fonoaudióloga.
*Ana Maria Bezerra de Araujo é fonoaudióloga e atua no Hospital de Câncer de Pernambuco e na Santa Casa de Misericórdia do Recife. É mestra em Oncologia e especialista em Fonoaudiologia no Âmbito Hospitalar, pela Faculdade Maurício de Nassau, e em Motricidade Orofacial, pelo CEFAC/EPAP/HCP. Para entrar em contato, envie um e-mail para anafonousp@hotmail.com.