Um estudo elaborado pela ex-residente do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP), Sara Ferreira, revelou que 54% das pacientes submetidas à cirurgia de retirada da tireoide na instituição apresentaram queixas vocais após a realização do procedimento, mesmo nas situações em que o nervo laríngeo recorrente, responsável pela inervação de muitas estruturas da região, foi preservado. A pesquisa, elaborada para o Trabalho de Conclusão de Residência (TCR) da fonoaudióloga, foi premiada com a 3ª colocação no 10º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Hospitalar, realizado no último mês de agosto, em Belo Horizonte.
A pesquisa foi realizada após a fonoaudióloga perceber que muitos pacientes apresentavam queixas vocais depois da realização da tireoidectomia total, nome dado à cirurgia de remoção da glândula tireoide e que é uma das formas de tratamento mais adotadas para o câncer na região. Embora não seja muito frequente, um dos riscos dessa cirurgia é a lesão do nervo laríngeo recorrente, que responde pela inervação de todos os músculos da laringe – inclusive das cordas vocais, estruturas responsáveis pela produção da voz. É por isso que alterações na qualidade e, em casos mais graves, a perda total da voz, costumam ser sinais clínicos dessa lesão.
A questão é que, no caso dos pacientes do HCP, as queixas vocais surgiram mesmo nos casos em que o nervo laríngeo recorrente não foi lesionado, o que despertou a curiosidade da especialista. As alterações eram, em parte dos casos, percebidas pelas próprias pacientes, tanto durante o pós-operatório mediato quanto em momentos posteriores. “Nós fomos buscar na literatura e percebemos que essas alterações já haviam sido relatadas, por diversos outros fatores, como edemas, entubação, cicatrização. A partir de então, resolvemos realizar a pesquisa aqui no HCP”, explica Sara.
O estudo foi realizado com 24 pacientes da instituição com indicação da realização da tireoidectomia total e que foram submetidas à cirurgia entre os meses de outubro e novembro de 2017. A pesquisa consistiu na avaliação fonoaudiológica pré-cirúrgica, no período de internamento prévio à cirurgia, e após o procedimento, no mesmo dia da consulta de revisão médica.
Apesar de nenhuma dessas pacientes ter sofrido lesão no nervo laríngeo recorrente, conforme o registro nos prontuários, a pesquisa revelou que mais da metade delas apresentaram queixas vocais, caracterizando a voz como rouca e com a frequência mais grave, como se estivesse masculinizada, e com baixa intensidade. “Nós percebemos que essas queixas foram importantes porque afetavam a qualidade de vida das pacientes. Comprovamos, assim, que elas precisavam da atuação fonoaudiológica, tanto antes quanto depois da cirurgia, para podermos, no caso de queixa, realizarmos a fonoterapia, quando necessário”, esclarece Sara.
Os resultados da pesquisa impactaram, também, no próprio fluxo de atendimento do Serviço de Fonoaudiologia do HCP, de acordo com a fonoaudióloga Roberta Borba, orientadora do TCR e coordenadora do setor. “O direcionamento para o nosso serviço pelos cirurgiões era mais constante nos casos em que havia a lesão do nervo. Agora, há uma nova demanda fixa para nós, temos um olhar diferenciado para esses pacientes e podemos intervir de forma mais específica já no pré-operatório”, comenta.
O Trabalho de Conclusão de Residência foi apresentado em fevereiro deste ano e, em agosto, foi selecionado para apresentação em formato de pôster no 10º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Hospitalar. O estudo, avaliado por duas fonoaudiólogas, conquistou o 3º lugar entre os mais de 40 trabalhos apresentados. “Me sinto reconhecida e fico feliz com esse reconhecimento”, acrescenta Sara.