Instituição referência na assistência oncológica do Estado, o Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP) deu mais um passo na consolidação das suas atividades de Ensino e Pesquisa. No último dia 13 de agosto, o médico dr. Thales Batista, cirurgião de pelve, defendeu a primeira tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Oncologia da instituição, realizado em parceria com o A.C. Camargo Cancer Center. Em seu projeto, o médico elaborou um novo protocolo de tratamento para o câncer de ovário, doença de difícil diagnóstico e baixa chance de cura, com a proposta de diminuir as complicações pós-cirúrgicas e de aumentar a sobrevivência livre de progressão dos pacientes, ou seja, o tempo que o paciente permanecerá sem novos sinais do câncer. A defesa da tese aconteceu no A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo.
Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de ovário deverá atingir, somente este ano, mais de seis mil mulheres em todo o País. De modo geral, o diagnóstico da doença é feito tardiamente, quando o tumor já está em processo de metástase. Isso acontece porque não existe uma forma eficaz de rastrear a doença, que também não costuma apresentar sintomas e nem consegue ser visualizada em exames de imagem em sua fase inicial. Nesse tipo específico de câncer, a disseminação ocorre principalmente para o peritônio, membrana que recobre as paredes do abdômen e a superfície dos órgãos abdominais.
De acordo com dr. Thales Batista, cirurgião responsável pela pesquisa, o método mais utilizado atualmente para o tratamento da doença, que é mais comum em mulheres com idade entre 50 e 60 anos, consiste na realização da cirurgia citorredutora ou na combinação desta com sessões prévias e/ou posteriores de quimioterapia. “Na cirurgia citorredutora, nós tentamos retirar todos os focos tumorais do abdômen, e isso pode adquirir uma proporção gigantesca, se percebermos que existem outros órgãos acometidos, como o estômago e o reto”, explica.
Como uma das características do câncer de ovário é a metástase para o peritônio, os pesquisadores, agora, estão buscando novas formas de tratamento que atuem especificamente nessa membrana, uma vez que é nela que ocorre, também, a maior parte das recidivas, quando há o retorno do câncer. “A primeira maneira de fazer isso é através da colocação de um cateter dentro da cavidade abdominal, por onde é realizada a introdução da quimioterapia. O problema é que esse procedimento gerou alguns inconvenientes e, por isso, acabou não sendo adotado na prática clínica”, detalha.
A segunda opção, mais recente, é a realização de uma sessão de quimioterapia durante a própria cirurgia citorredutora. “Essa dose da quimioterapia, que é mais alta, vai dentro do peritônio e em uma temperatura aquecida. A hipertermia atua tanto matando as células pelo próprio efeito do calor quanto potencializando a ação de alguns quimioterápicos que são inseridos no abdômen”, detalha o médico. Como a droga é inserida dentro da própria cavidade, os efeitos colaterais sistêmicos também acabam sendo menores do que quando a infusão é feita pela via venosa. Esse procedimento é chamado de Quimioterapia Intraperitonial Hipertérmica – ou, na sigla em inglês, HIPEC.
A PESQUISA
Embora já venha sendo utilizada para o tratamento de alguns tipos de câncer que se desenvolvem no peritônio, apenas nos últimos anos a HIPEC começou a ser usada para o tratamento do câncer de ovário metastático. A infusão quimioterápica é feita com o auxílio de um equipamento chamado Perfomer HT, fabricado pela empresa italiana Rand, que aquece a solução e a mantém em circulação.
No caso da pesquisa de dr. Thales Batista, a máquina foi adquirida em 2014 por meio de um fomento obtido através de um edital do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS), resultado de uma parceria com o Ministério da Saúde, Secretaria de Saúde do Estado, Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O equipamento foi instalado no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), onde foram feitas todas as cirurgias necessárias para o estudo.
Atualmente, o protocolo a ser seguido para o tratamento com HIPEC em caso de câncer de ovário metastático indica a infusão quimioterápica por um intervalo de tempo que dura de 60 a 90 minutos. Em sua tese, a proposta do dr. Thales era verificar se a redução desse tempo poderia ser benéfica para a paciente. “No nosso estudo, estamos pressupondo que reduzir o tempo de infusão para 30 minutos e aumentar a dose da quimioterapia pode ter um resultado tão bom quanto o protocolo atual, ou seja, que ela tenha o mesmo resultado terapêutico a custa de menor morbidade”, destaca. “Também queremos aumentar a taxa de sobrevivência livre de progressão de 12 meses para 24 meses”, completa.
A pesquisa foi realizada com um grupo seleto de pacientes que, inicialmente, seria formado por 20 mulheres, com idades entre 18 e 70 anos, que apresentavam tumores epiteliais de ovário, a forma mais comum da doença, em estágio avançado. Nesse caso, foram considerados os casos com estadiamento III e IV, os últimos estágios da doença. Além disso, as pacientes precisavam ter condições clínicas favoráveis a um tratamento mais radical. Todo o estudo foi realizado com pacientes em atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A tese de doutorado foi feita com a participação de nove pacientes, todas em tratamento no IMIP ou no HCP. Por enquanto, os resultados encontrados pelo pesquisador foram animadores. “O protocolo de 30 minutos apresentou baixa morbidade, alta hospitalar muito rápida e retorno também rápido ao tratamento sistêmico. Em termos de sobrevivência livre de doença, precisamos acompanhar os pacientes para verificar se o resultado foi realmente adequado”, ressalta.
PRÓXIMOS PASSOS
A ideia, agora, é expandir a pesquisa para outros hospitais que realizam tratamento oncológico espalhados pelo País, até que se consiga completar o estudo com 20 pacientes, conforme estabelecido no projeto. Centros como o INCA, no Rio de Janeiro; o Instituto Hospital de Base, no Distrito Federal; o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) e o Hospital do Amor, ambos em São Paulo, foram convidados a participar. “A Rand irá ceder a máquina para esses hospitais e eles irão nos ajudar a recrutar as pacientes. Esperamos que, até meados do ano que vem, o projeto já esteja finalizado. A inclusão dos outros centros irá colaborar para que esse método de tratamento inovador, iniciado com muito orgulho nesse projeto, também possa ser difundido em outros locais e proporcionado não apenas para os pacientes de Pernambuco, mas de todo o Brasil”, conclui o médico.